Brasil lança novo Marco Regulatório para reduzir dependência tecnológica na saúde

O Brasil lançou a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), com o objetivo de fortalecer a produção nacional de insumos farmacêuticos ativos (IFAs), medicamentos, vacinas, soros, hemoderivados, produtos biotecnológicos, dispositivos médicos e tecnologias digitais. A meta é que, em uma década, o país produza, internamente, 70% desses produtos necessários para o Sistema Único de Saúde (SUS), diminuindo a dependência de importações. 

Para o objetivo desejado, o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) destinou R$ 8,9 bilhões ao setor, com planos do Governo Federal de investir R$ 42 bilhões para a Saúde até 2026. A iniciativa busca promover inovações tecnológicas cruciais para o desenvolvimento econômico e o bem-estar da população. Essas inovações, que levam à criação de novos produtos e métodos de produção, têm implicações amplas e coletivas para a sociedade, sendo, portanto, uma questão de interesse público que requer o envolvimento ativo e a regulação por parte do setor público. 

Na área da saúde, o Estado pode orientar e sustentar projetos privados com financiamento público para instituições de ensino e pesquisa, infraestrutura para inovação, transferência de tecnologia, demanda pública e compras governamentais. Portanto, o seu papel não se limita a uma postura passiva, mas ativa e capaz de influenciar a atividade econômica e social dos países significativamente. A importância do Estado na inovação em saúde é evidente: 75% das moléculas aprovadas pelo Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, receberam financiamento público entre 1993 e 2004. 

No Brasil, a falta de políticas públicas para um sistema nacional de inovação na saúde resultou em grande dependência tecnológica externa. O SUS, como sistema universal, criou uma demanda significativa por medicamentos e insumos que a indústria nacional não consegue suprir. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmacêuticos (ABIQUIFI), mais de 95% das necessidades de IFA são atendidas por importações. 

A desigualdade na produção de conhecimento científico e inovações tecnológicas, aliada a uma base produtiva fragilizada, pode levar a iniquidades no acesso à saúde, como evidenciada na recente crise da COVID-19.  

Desde os anos 2000, diversas políticas e programas visaram o desenvolvimento nacional na saúde, mas sem um planejamento estratégico bem elaborado. A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), lançada em 2004, incluiu  o setor de fármacos e medicamentos. Em 2008, a Política de Desenvolvimento Produtivo ampliou o escopo para diversos setores, incluindo a saúde como área estratégica, com metas para a produção local de produtos essenciais para o SUS. 

Em 2012, a Portaria nº 837 do Ministério da Saúde instituiu as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), visando à cooperação entre laboratórios públicos e privados  com o objetivo de desenvolver e transferir tecnologias estratégicas para o SUS. Apesar de alguns avanços, a produção de farmoquímicos permaneceu insignificante, aumentando a vulnerabilidade da indústria farmacêutica brasileira, com um déficit comercial de medicamentos superior a R$ 9,9 bilhões em 2021. 

O Tribunal de Contas da União (TCU), através da Unidade de Auditoria Especializada em Saúde (AudSaúde), fiscaliza as PDPs do Ministério da Saúde desde 2017. Uma das principais constatações do TCU foi a ausência de critérios objetivos e parâmetros de avaliação para a definição da lista de produtos estratégicos para o SUS, recomendando a suspensão de novas PDPs até que a implementação de eficazes mecanismos de avaliação seja concluída. 

Diante desses desafios, o Ministério da Saúde instituiu o CEIS com o objetivo de orientar os investimentos, tanto públicos quanto privados, nos segmentos produtivos do setor e em inovação, na busca de soluções produtivas e tecnológicas que reduzam a dependência externa e fortaleçam a indústria de saúde brasileira. 

Para que essa nova iniciativa seja bem-sucedida, diferentemente das demais, e promova a tão necessária – e urgente – emancipação tecnológica do Brasil, é crucial o diálogo com os principais agentes dos processos de transferência de tecnologia e conhecimento. O Ministério da Saúde deve maximizar a transparência nos processos decisórios industriais e garantir uma política eficiente e participativa, focada na qualidade dos produtos. Apenas com um compromisso firme e colaborativo entre setor público e privado será possível alcançar a autossuficiência e robustez necessárias para uma saúde pública mais eficiente e equitativa no Brasil. 

Continuaremos acompanhando de perto o desdobramento deste novo marco regulatório, incluindo a consulta pública apresentada pelo Ministério da Saúde (CP nº 54/2023) sobre a minuta da nova portaria ministerial para as PDPs. 

Nosso time de especialistas está à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas. 


Referências:

  1. BRASIL. Decreto nº 11.715, de Decreto nº 11.715, de 26 de setembro de 2023.
    Institui a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde.
  2. Ministério da Saúde. Governo Federal avança na estratégia para reindustrialização do país com investimento de R$ 42 bilhões em um dos setores mais importantes para a política industrial brasileira: a saúde. Notícias, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/setembro/governo-federal-lanca-estrategia-nacional-para-o-desenvolvimento-do-complexo-economico-industrial-da-saude-com-investimento-de-r-42-bilhoes-ate-2026). Acesso em: 23 maio 2024.
  3. VIANA, Ana Luiza d’Ávila et al. A política de desenvolvimento produtivo da saúde e a capacitação dos laboratórios públicos nacionais. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 32, supl. 2, e00188814, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2016001405003&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 18 maio 2024.
  4. Mazzucato M. The entrepreneurial state: debunking public vs private sector myths. London: Anthem Press; 2013.
  5. 95% dos insumos utilizados para produzir vacinas no Brasil são importados. Disponível em: https://abiquifi.org.br/95-dos-insumos-utilizados-para-produzir-vacinas-no-brasil-sao-importados/. Acesso em: 23 maio 2024
  6. GUIA INTERFARMA 2022: O principais dados do setor farmacêutico e da saúde. Disponível em: https://www.interfarma.org.br/wp-content/uploads/2022/08/Guia-Interfarma-2022.pdf. Acesso em: 23 maio 2024
  7. Acórdão nº 730/2017-TCU-Plenário, de 12 de abril de 2017. Relator AROLDO CEDRAZ https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/*/KEY:ACORDAO-COMPLETO-2249738/NUMACORDAOINT%20asc/0
  8. TCU. Acórdão nº 2015/2023-TCU-Plenário, de 27 de setembro de 2023. Relator Benjamin Zymler.
  9. Saúde é desenvolvimento: o complexo econômico-industrial da saúde como opção estratégica nacional / Coordenador-Geral: Carlos A. Grabois Gadelha; Coordenadores Adjuntos: Denis Maracci Gimenez & José Eduardo Cassiolato. Rio de Janeiro: Fiocruz – CEE, 2022